Vale a pena estar um tempo em Florianópolis. Está tudo lá, em tempo real, uma vez mais - por ser estudado como os geólogos estudam amostras de caudas de cometas para entender como chegamos até aqui. O passado no presente. E acelerado. Refiro-me ao modelo perverso de crescimento das grandes cidades brasileiras nas últimas décadas.

13 novembro 2006

Quando se abate uma despraça...

Sentei-me, outro dia, num dos quatro banquinhos da Praça Professor Amaro Seixas Netto. É uma imagem que já há um par de séculos se nos tornou cara, essa da praça. Vejam em Braudel. Uma pequena folga para os pés, uma pausa para refletir, conversar, namorar, calcular. Sentar na Praça. Pois sentei-me ali com esse espírito, entregue à fruição das formas do pensamento, imbuído de ecos da imagem paradigmática da Praça, a nossa Praça, vocês sabem do que falo, nem é preciso haver coreto ou quejandos, as de Curitiba não têm, mas são convidativas, acalmam, tanto quanto chamam a encontros, cafés-debate encostados ao quiosque, crispados ou ternos, prosa jornaleira, olhares curiosos, irritados, amorosos, sequiosos – nada da mirada-nada dos centros comerciais e dos resorts. A cidade, em torno à praça, ganha espessura e profundidade, adensa-se, dura, propõe-se, retém. Não é gerida. Sabe fazer com a contingência. A praça era também o mar quando a ninguém lhe ocorria refletir à beira-mar.

Pois me sentei ali sozinho como na ilha de Robinson, acompanhado de imagens e fantasmas.

No entanto, lentamente, vazio. Que despraça.

Sabem o que é uma despraça? Nunca viram? Há uma em Florianópolis. Fica em frente à igreja São Luís, na Agronômica, ladeada por vários prédios novos e, ouço dizer, nobres – que lhe fazem justiça. Um gramado quadrado, no centro do qual está uma enorme pedra com uma placa incrustada. Em cada uma das quatro calçadas que desenham o quadrado há um banco, desses de três lugares, virado para os carros que passam – ou seja, de costas para o centro da praça. A placa na pedra-monumento homenageia um ex-residente ilustre da cidade.

O chapeleiro louco da Alice faz desaniversário 364 dias por ano. Mostra uma conseqüência possível do conceito de aniversário – e faz-nos rir porque não havíamos pensado nisso. Em Florianópolis se fez uma despraça. Com o nosso dinheiro. E sem a graça do chapeleiro louco da Alice. Que se quis dizer com aquilo? E eis senão quando a despraça, que já não me parecia ter uso algum, brilhou com o grito silencioso de um novo aspecto revelado, que às vezes os desertos ensejam. Cobriu-se, finalmente, de sentido, exprimindo os tempos de uma cidade que se desurbaniza alegremente.

A Praça é um lugar. O resort o que é? A via rápida, o aterro de asfalto, o centro comercial ilhado o que são? Marc Augé chamou-os de não-lugares. A sério.

2 comentários:

Anônimo disse...

Em Florianópolis as poucas praças se vêem cada vez mais reduzidas em espaço e quantidade.

Mas ainda assim, o que me faz muita falta é um parque. Que cidade é essa que não tem parques? Com tanto verde, tanta beleza será que um é o suficiente? (Não quero contar aqui os "privados")

eduardo green disse...

Pois é.. nem tinha reparado que os bancos daquela "praça" eram virados pra rua, talvez por nunca haver ninguém lá, pra mim aquilo é mais um canteiro do que praça.

Recentemente, no início da Av. das Rendeiras, um dos locais mais lindos para se admirar o pôr-do-sol atrás dos morros do canto da lagoa e espelhado nas águas da lagoa, o comércio local instalou bancos.

Claro que eles possuem propagandas dos "patrocinadores", e talvez por ninguém ter pensado que esses anúncios poderiam ser colocados nas costas dos bancos (sendo vistos até mesmo quando alguém estivesse sentado neles), os reclamos foram pintados no assento dos bancos, e como os mesmos são direcionados para quem passa na rua, viraram os bancos (aproximadamente 10!) não para a Lagoa, os morros e o pôr-do-sol, mas para a rua!

Parabéns pela iniciativa de instalação dos bancos (e também árvores), mas custava vê-los não simplesmente como out-doors de cimento e sim como espaço de descanso e contemplação?

Eduardo