Vale a pena estar um tempo em Florianópolis. Está tudo lá, em tempo real, uma vez mais - por ser estudado como os geólogos estudam amostras de caudas de cometas para entender como chegamos até aqui. O passado no presente. E acelerado. Refiro-me ao modelo perverso de crescimento das grandes cidades brasileiras nas últimas décadas.

23 março 2006

Fiat convida-nos a pensar no futuro

Aceitei o convite feito na última campanha da Fiat, “Convidando você a pensar no futuro”. A campanha, na linha metafísica de “todo brasileiro é louco por carros”, põe na boca de crianças sonhos de continuidade do maior erro urbanístico do pós-Guerra: a opção praticamente exclusiva pelo automóvel (ainda que despoluente!), e portanto pelo asfalto, que é uma transferência estatal de verba para os mais ricos. Espera-se que visões de futuro “sonhadas” por adultos sejam mais sensatas: vislumbrem políticas públicas de desincentivo do transporte individual, em prol de “velharias” como trens, metrôs de superfície, bondes (há-os moderníssimos), ferry-boats, ciclovias, hidrovias e até mesmo, vá lá, ônibus, mas realmente omnibus. De outra forma, demoraremos ainda mais a interromper o ciclo infernal que vai dos carros aos viadutos e a (mais) carros, ciclo esse que inviabiliza outras formas mais inteligentes de transporte – aí inclusos os pés e as bicicletas – e torna as cidades feias, desinteressantes, nevróticas e, no limite, lugares de onde queremos fugir, e não habitar. Tal como, cada vez mais, a minha cidade.

Eis, então, a minha visão de futuro: as atuais montadoras de automóveis privados competem, orgulhosas, para vem quem cria modalidades – eles gostam de dizer “soluções”, como se o modo do problema fosse natural, e não uma criação do solucionador – de transportes coletivos mais integrados com as cidades (ao invés de rasgá-las e colonizar o espaço), mais plurais (no sentido de interagir com outros meios de transporte, ao invés de serem pensados para se tornar hegemônicos), mas amigos do meio ambiente e que impliquem em gastos públicos em infra-estrutura que redundem em benefícios para todas as faixas de renda. As suas plantas industriais dedicadas a meios de transporte individuais e/ou privados reduzem-se a um pequeno percentual do total das operações. O congresso aprovou a lei que proíbe a participação de crianças em peças publicitárias ou em propagandas estatais, com o argumento de que elas não têm discernimento para analisar essa participação e fazer uma escolha informada, e são, portanto, presas fáceis de manipulações sofísticas por parte de psicólogos ao serviço de agências de publicidade.

3 comentários:

Carlito Costa disse...

Rafael, achei muito interessante o seu blogue. Voltarei aqui com mais tempo. Respondi o seu comentário no post do +D1 (http://maisdeum.blogspot.com/2006/03/ilha.html).
Quem é você? Tem algum interesse profissional em estudar a cidade, ou é mais diletantismo mesmo? Abraço.

Carlito Costa disse...

Rafael, tentei plublicar outro comentário, mas ele não apareceu. Por isso estou tentando de novo - e não se importe se aparecer duas vezes. Achei o blogue interessante e pretendo voltar com mais tempo. Respondi seu comentário em meu posto no +D1 (http://maisdeum.blogspot.com/2006/03/ilha.html). Continuo publicando a série de ficção A Ilha. Está no quarto minicapítulo (htpp://maisdeum.blogspot.com).

Rafael Lopes Azize disse...

Olá Carlito,
É diletantismo mesmo. Tenho um dia vontade de participar da criação de uma cultura antipática ao urbanismo modernista (zoneamento, asfalto, condomínios horizontais, grandes superfícies de comércio, esvaziamento dos espaços públicos). Gostaria de contribuir para a criação duma cidade que me dá gozo chamar de neomedieval, na qual cada parte espelhasse o todo - em termos de funcionalidades, grupos humanos e infraestruturas.
Abraço, Rafael