Vale a pena estar um tempo em Florianópolis. Está tudo lá, em tempo real, uma vez mais - por ser estudado como os geólogos estudam amostras de caudas de cometas para entender como chegamos até aqui. O passado no presente. E acelerado. Refiro-me ao modelo perverso de crescimento das grandes cidades brasileiras nas últimas décadas.

13 fevereiro 2009

Coqueiros e Estugarda



Há alguns meses, os coqueirenses, através da sua associação de bairro, rejeitaram a proposta de uma ciclovia. O argumento, oriundo dos donos de restaurantes, era o de que isso diminuiria o número de vagas de estacionamento de automóvel privado - o que seria ruim para os negócios. Pegando embalo na genial reação dos coqueirenses, envio uma ligação da empresa pública de transportes coletivos de Stuttgard. Eles têm ônibus, VLTs (bondes) e trens de variadas bitolas e alcances. Parece uma empresa eficiente, com boa política por trás, e cheia de ideias - como se vê pelo sítio deles. Com parcerias diversas, oferecem aos usuários descontos em teatros, em restaurantes, na biblioteca pública, etc., para quem deixa o automóvel privado em casa no dia-a-dia. Usuários frequentes pagam menos. Há 9.565 bicicletários estrategicamente colocados em baldeações, para incentivar que um trecho seja feito de bicicleta. Querem saber onde? Basta entrar aqui:
http://www.vvs.de/service_prbr_br_alle.php,
dizer a região e baixar um arquivinho pdf com o mapa.

Enquanto isso, na mágica capital dos catarinenses, as empresas locais (privadas), em conluio histórico com o poder dedicadamente público, aplicam as suas calorias em... (preencham vocês - eu vou pegar um café moído na hora com pão integral caseiro, uma dilícia).

Mas parece que não poderia ser diferente, ora bolas; afinal, a indústria automotiva, ouvi dizer ontem no telejornal de economia, é a base da cadeia produtiva brasileira. Ou será que foi anteontem que ouvi isso? Ou no dia anterior? Mas espera: se é esse o argumento que vale, então por que diabos na Alemanha pode ser diferente? Certamente porque a indústria automotiva deve ser ali um parte menos importante da cadeia produtiva do que aqui.

Um comentário:

HTSR disse...

Bem... que as questões voltadas ao urbanismo e ecologia, em Florianópolis, dão "pano pra manga", isso não é novidade. Afinal, os governantes da Ilha da Magia, envoltos nessa atmosfera sobrenatural, parecem extenderem os seus dotes obscuros ao mundo do caos, de onde buscam inspiração admnistrativa. Mas... espera aí, lembro-me de Montesquieu que afirmou que "cada governante adapta-se ao povo que tem". Se isso é verdade, em que pese o "punho" da indústria automotiva nas decisões socio-políticas das comunidades mundiais, parece ser relevante destacar a visão ambígua e bastarda dos nativos e imigrantes locais. Nem se decidem por uma cidade cuja marca seja a griffe ecológica - tão em voga hodiernamente - e nem pelo tradicional refrão progressista. O resultado é uma cidade acéfala, cuja mídia faz a fama. A infra-estrutura turística é sofrível e o "espólio" desta, que deveria servir aos residentes, não poderia ser coisa melhor. Ora bolas... que esperar de gente cujo mantra básico é explorar os desavisados? Essa índole permeia desde os cérebros menos trabalhados cognitivamente aos de bacharéis, mestres e doutores que já pululam a antiga Desterro. Ummm... parece que esta é a sina deste recanto geográfico. Gente empreendedora, esclarecida e culta não são bem vindas. Por isso essa eterna mediocridade, tranvestida de alegria e fantasia. Ciclovia em Coqueiros? Onde? A única ciclovia que foi - de fato - projetada nesta ilha é um caos. Imagine-se essas engembrações! Sonhar que contribuam para a melhoria da saúde - quer por redução no aquecimento global ou pelas benesses do exercício físico - é uma pueril ilusão. Na verdade contribuem com a baderna no trânsito e põem em risco a vida da meia dúzia de "gatos pingados" que ousarão usar os pedais de seus veículos, ecologicamente corretos, nesses corredores que fazem a alegria dos propagandistas partidários de ocasião. É muito interessante pensar numa Florianópolis (eita nome horrível -sempre me lembra o Floriano) neerlandesa, mas nada "cai do céu".
Ciclovias? Sim. Projetadas e com bom nível de segurança, conforto e efetividade. De que adianta pedalar uma centena de metros, ombro a ombro com ônibus e caminhões, e, em seguida, ter que disputar um quinhão de espaço na via comum? Desencargos politicóides de consciência e maquiagem barata com o fim de perpetuar a idéia de uma cidade "voltada ao verde" nada acrescentam à falta de estacionamentos públicos (pois quem tem carro paga mais impostos de quem não tem); de transportes públicos (garantidos em constituição e posto que são uma consessão não deveriam visar lucros estelares) regulares e de qualidade; de efetivação de propostas que estimulem meios alternativos de transporte, etc e etc... O pacote de mudanças, que passa desde a base cultural do "mané" até as sofisticadas soluções de engenharia, logística e administração, é tamanho que parece requerer uma mudança de paradigma, sob pena "ad eternum" de se "despir um santo para vestir outro". "Trocando em miúdos": "nem tanto ao mar, nem tanto à terra". Não sou adepto da "autofobia" e nem um defensor fundamentalista da carroça e assemelhados. Se é verdade que o embróglio em torno da ciclovia coqueirense teve seu desfecho influenciado pela visão - esverdeada pelo azinhavre do vil metal - de um parcela, minoritária, de cidadãos, temos que ter em conta que se outra parcela, igualmente minoritária, tivesse implementado a dita via para veículos de duas rodas, no fim das contas - descontados "mortos e feridos" - teríamos um "ganho" de proximidade com o inferno, no trânsito, e um aumento de emergências hospitalares. Pragmaticamente, quem sai ganhando?